sábado, 22 de fevereiro de 2014

A Abstração Garantindo a Inexistência (na hora errada)

Abstrair.
Abstrair para aguentar coexistir nesse mundo cheio de merdas. Por que? Para garantir nossa existência.
Mas são essas merdas que sufocam nossa existência. Se são essas coisas todas que não nos deixam existir. Todos esses problemas.
Abstrair,
você tem que aprender a abstrair todo o sofrimento que não é seu, do contrário, será engolido. Do contrário, você será trucidado. Do contrário, você não sobreviverá.
O problema é que "eu" cansei de "sobreviver".
Eu já sobrevivi quando eu tinha 12 anos. Todos os dias de manhã eu acordo e tomo um remédio para continuar sobrevivendo. E minha sobrevivência está garantida. E cansei de ver pessoas se conformando em sobreviver, quando elas poderiam plenamente viver, e plenamente não existir.
Continuará abstraindo toda a ignorância do mundo em nome de bens materiais e em nome de uma "paz" que não é paz, mas que é egoísmo disfarçado. De uma satisfação que não satisfaz, de uma plenitude que é vazia porque não é plenitude, porque é transbordamento disfarçado de plenitude. Porque não é satisfação, e não é felicidade, são apenas subterfúgios.
A gente vê tudo, a gente sente tudo, a gente entende tudo. Mas a gente foi adestrado para filtrar, e para abstrair aquelas coisas que vão doer. A gente vê tudo, a gente sente tudo, a gente entende tudo. A gente foi adestrado para abstrair o que não concordamos, a dissimular a indignação que sentimos ao ver algo inadequado, a conter nossos impulsos de ação para mudar nossa realidade, e a dissimular nossa raiva através de uma postura polida e diplomática, que nada tem a ver de fato com virtude, mas que é apenas uma forma de nos proteger de sermos trucidados por sermos tão sensíveis e tão absorventes de tudo o que acontece - e sim, todos nós somos, em menor ou maior grau. Todos nós somos esponjas do nosso ambiente.
Essa indignação, essas sensações desagradáveis que a gente filtra diariamente sem nem perceber, como decepção, medo, raiva, tristeza, desesperança, desamor... Essas sensações que ao invés de serem usadas como incentivo para agirmos e mudarmos nosso mundo, são filtradas sem percebermos e guardadas em algum lugar da nossa mente, transformando-se em doenças, em problemas psicológicos ou psiquiátricos - e não é à toa que cada vez mais o DSM (agora, na quinta edição) cresce e é sempre reformulado (da última vez que ouvi uma discussão a seu respeito, inclusive quem "ri demais" pode ser enquadrado em alguma classificação de transtorno psiquiátrico). - Porque é necessário que a gente abstraia tudo aquilo que foge ao nosso padrão.
Seja ele um padrão de comportamento, seja um padrão de realidade, seja um padrão de vida e de felicidade.
Felicidade é estarmos todos andando da mesma forma, seguindo os mesmos princípios, comendo a mesma comida pronta feita em laboratório, andando com as mesmas roupas, curtindo as mesmas coisas, pensando do jeito que pensávamos há 10 anos atrás, agindo da forma como agíamos há 10 anos atrás, vivendo da forma como vivíamos há 10 anos atrás, seja individualmente ou de forma coletiva.
Felicidade é abstrair tudo aquilo que não respeita o nosso ideal de realidade, e, embora a gente encha a boca para dizer que nos mantemos informados, que a gente busca informações para saber como está o mundo, para termos consciência de que ele está piorando ou melhorando, por mais que a gente diga que estamos cientes de todo o lixo que existe por aí - tentando assim reafirmar que não somos iludidos - continuamos vivendo como se já vivêssemos no mundo ideal, onde todos são felizes, onde ninguém sofre, onde ninguém está bem longe do seu ideal, e não fazermos nada para mudar isso.
Isso é viver? Ou isso é sobreviver?
Isso é existir? Ou isso é ser artigo de decoração de algum cara com mais poder e mais grana do que nós?
Isso é inexistir como eles dizem que tem que ser.
Qual a tua forma de existir?
E qual a tua forma de inexistir?

Paremos de abstrair e aqueles que nos manipulam se dobrarão, pelo medo que eles mesmos geraram em nós, e os fios que nos aprisionam serão rompidos. Amém.

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