sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Todos os poetas

Vou escrever aqui para não surtar.

Tenho pensado demais, ainda. Me sinto só. A solidão nesta viagem faz eu me sentir angustiadx. Essa pode ter uma associação com a casa dos meus pais. Até me sinto uma criança entediada em casa. Na verdade é bem isto que está acontecendo.
Eu gostaria de alguém para brincar. Penso às vezes na angustia que meu irmão deve sentir e quão bom deve ser o computador para ele. Eu me sinto como ele...
Acho que minha natureza se sente bem (natural) compartilhando alegrias (e as tristezas?...). Mas são dias, são semanas aqui, e não há interação. Ficamos cada um no seu canto.
Talvez eu deva interagir mais com outras pessoas... Provavelmente isso vai me ajudar. Eu me sinto diferente. Nesses dias tem sido difícil conviver comigo mesmx... Pois ainda que eu estivesse completamente só, creio que me sentiria mais a vontade para deixar fluir meus sentimentos... Mas com ela ao lado (esta pessoa que passou a me acompanhar na viagem), eu não consigo expor-me muito. Tenho vergonha. Preciso trabalhar isto. Até tenho me esforçado e falado o que eu penso, quando consigo, e demonstrado...
Mas, na verdade mesmo, é que eu me vejo como um animal assustado e retraído nesta terra  "desconhecida", com pessoas tão diferentes. Estar longe de quem eu conheço é desafiador. Estar longe dos meus amigos, ou das pessoas com quem já tenho relação, e ter que construir novamente por onde eu passar... Ah! Mas se era justamente esse um dos meus objetivos ao sair para viajar! E agora, que tenho finalmente a oportunidade para fazer isto, me sinto apavoradx? Querendo segurar-me no que conheço? Estou vendo este ciclo se repetir mais uma vez, esse ciclo do medo. Sinto também que estou cansadx da vida. Cansadx do mundo. Dessa merda toda. Sabe? É que ultimamente tenho visto todos os meus defeitos. Tudo. O Pierre tinha razão sobre mim: sou frix, sou calculistx, sou mau. E observei em mim o desejo de manipular e dominar os outros. A crueldade. Sim. Eu, eu que me achava uma pessoa boa. Que me achava desapegadx, que me achava anarquista, que me achava alguém libertário... No fundo porque tenho medo de rejeição. De me rejeitarem. Mas eu me rejeitei por muito tempo.
E minha arrogância. Minha prepotência. Nem sei como explicar, mas cheguei a enxergar meu autoritarismo também. Eu não aceito os outros e não aceito a mim mesmx. Senti-me muito, muito mal. Sei que isso é uma herança da minha família. E que eles também não tem culpa. Cheguei a enxergar o sentido de tudo isto: ou seja, nenhum sentido. Nenhum motivo. É porque é. Sou porque sou. Sem razão para ser assim, apenas sou... E é tão libertador enxergar isto, sentir isto!... Mas esses defeitos talvez sejam os mais difíceis das pessoas aceitarem... Como eu posso aceitá-los, então? Permiti-los? Se permito eles, ficarei sozinhx. Mas não tenho escolha: preciso permiti-los. Pois cansei de me reprimir. Cansei de me dominar. Cansei. Cansei de me manipular. Desta prisão. Cansei desta prisão.
Estou pedindo esta ajuda pro universo. Deus. Deusa. Deuses. Pro Cosmos. Uma ajuda, não para mudar... Mas para aceitar isto tudo. Toda essa sujeira que me pertence. Que também é minha, que faz parte de mim. Me ajudem a aceitá-la! Por favor! Me ajudem a acolher essa parte - que nunca senti que ninguém acolheu, que sempre procurei e esperava encontrar um grande amor que a acolhesse e a amasse... A minha parte fúria. Dragão. Minha sombra, minha maldade. Minha violência... Eu, que me achava sem defeitos. Grande críticx dos outros! Julgadorx, avaliadorx dos outros e de todo o mundo! Eu que, na minha arrogância, me sentia limpx! Que acreditava, prepotente, que podia ajudar alguém a ser melhor, a se enxergar, a se transformar, a viver melhor... Há, há. Na minha cegueira, na minha dependência, eu sou tão pequenx e tão incapaz... Não sou capaz nem de me enxergar. Ignorante de mim. Cegx, estúpidx. Burrx. Dependo dos outros. Não sou capaz de me ver, sozinhx. Não fui capaz. Não enxergava a mim.
Quando pequenx, eu rejeitava meu corpo. Meu rosto. Era alvo de chacotas, desse bullying de merda. E me olhava no espelho e não gostava. Sentia imensa dor de ser daquela forma, não aceitava, não queria ser assim, mas toda a vez que olhava para mim mesmx no espelho... Eu via meu rosto daquele jeito. Hoje, rejeito minha arrogância. Minha pessoa como um todo... Rejeito minha tristeza. Contenho-me quando quero chorar. Contenho-me quando estou com raiva. Penso em como posso xingar alguém. Dissimulo, dissimulo, dissimulo para me iludir e enfim acreditar que eu não sinto estas coisas, que sou um ser superior, que já transcendi essa merda toda. Mas eu não passo de um cão, tão adestrado quanto qualquer outro. Pra me iludir, pra esquecer de que eu também sou tão humanx quanto qualquer um nesse planeta... E assim, acreditar que eu não faço parte, que não sou parte dessa merda toda, desta grande bosta de civilização, má, suja, cruel, manipuladora. Tão bosta quanto eu.
Diante de tanta tolice, de tanta burrice, de tanta cegueira, como posso ser tão arrogante? Tão prepotente e autoritárix? Como eu posso dizer que sei de alguma coisa, se não sei nem de mim mesmx? Se me desconheço, por completo.
Não tenho escolha. Sou assim. Sou racional, penso mil vezes antes de demonstrar algum sentimento mais visceral, fraquezas, emoções, ou, pior que isto, contenho-me mil vezes. Calculo. Planejo e prevejo resultados. Paciência. Sou assim. Frix, calculistx, frígidx, chatx.
Penso em milhares de coisas. Penso o quanto eu dependo dos outros. Aqui, nesta terra que desconheço, dependo de conhecer, de me relacionar com outras pessoas, de aceitá-las, até para ir de uma cidade a outra. Até para ter o que comer. E aí percebo que o dinheiro dá uma liberdade arrogante.
Não. Não é liberdade.
É solidão.
Você pode comprar as coisas, e aí tem a falsa ideia de que não precisa de ninguém, pois não precisa interagir com ninguém ou depender de ninguém para ter o que necessita, simplesmente estende a mão e despeja as moedas para a pessoa que lhe dá o que você quer, ficando livre de enxergar o outro, sem nem ter a obrigação de falar um "olá" para quem lhe vende tal produto ou serviço - mas também não tem que lidar consigo mesmo, suas dores, seus traumas, seus medos, seus defeitos, nem mesmo precisa se enxergar. Você não precisa aceitar ninguém, mas também não enxergará sua própria feiura. Nunca enxergará a verdade sobre si. Não, o dinheiro não traz liberdade... Traz solidão.
Aqui, sozinhx, precisando estar abertx aos outros, ao desconhecido... Sem ninguém para me ajudar, para me proteger (de mim mesmx), ou me consolar (e me fazer esquecer isto tudo, como um medicamento para meus sintomas, apenas paliativo pois nunca cura o problema)... Aqui, eu enxergo a necessidade do que tanto me falta: humildade.

"Caralho!" eu penso e posso até escutar os outros dizerem, ao lerem esse lixo: "que foda", escuto eles pensarem. Isso é puro ego. Puro ego meu, alimentado porque eu não quero mais guardar isto para mim, alimentado em cada palavra que digito. Até no reconhecimento da minha sujeira, sou egocêntricx. Não, não se pode fugir de si mesmo, isso é um fato. Mas que bom que sou humanx, e tamo todo mundo junto nesse mesmo barco.

Não quero elogios. Não quero que curtem essa merda. Não dê atenção. Não comente. Não alimente meu ego. Se puder, me xingue, brigue comigo. Compartilhe para quem você quiser criticar, se acha que isso será útil. É mais útil ou mais sábio agora do que elogiar. Isso é arrogância científica. Poesia barata. Todos os poetas são mentirosos quando declamam. Todos os poetas são verdadeiros enquanto escrevem.

Tudo isso é manipulação.