sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Portal da Mata

"Parei frente à entrada da mata. Os galhos volumosos ao redor da abertura criavam o formato semelhante a um portal, mais ou menos do meu tamanho... Folhas verdes preenchendo os galhos, terra, lama, umidade, aromas da mata e árvores variadas ao longo da entrada criavam jogos de luzes com raios de sol. Mata fechada, desconhecida, nunca antes habitada... Nunca antes percorrida.
Ele acompanhou-me até a entrada e quando olhei ao redor, havia deixado-me só. Eu estava só, tendo que decidir sozinh@ se entrava ou não nesta floresta. Não haveria alguém para me acompanhar. Eu estava só, e embora eu esteja muito acostumada a iniciar coisas sozinh@... Não gosto de fazer isto. Já faz tempo que procurava alguém para ser parceir@ de jornada...
Eu estava frente a entrada da mata, em pé, firme em minha posição, com os pés sobre a grama verde, em um campo aberto... e aquela entrada... Lembrava-me um belo filme que vi quando criança, O Jardim Secreto.
Senti ao observar a mata (de fora) que lá dentro podia encontrar-me, ou perder-me... Um misto de preguiça, medo e desolação me preenchiam. Foi tanto trabalho para me reencontrar nestes últimos anos... Agora, mais uma vez, encontrava-me na velha encruzilhada: avançar, e apostar no destino - que não dava-me sinal algum de que seria positiva a viagem, além do que já havia experimentado até então: aromas agradáveis, alguns espinhos e arranhões, frutas doces e um pouco de água fresca, ou às vezes o temor de ouvir algum latido, ou uivo - ou continuar pelo campo aberto, até encontrar outro lugar para avançar, um lugar mais acolhedor, menos obscuro, menos incerto, menos doído,  menos sofrido, mais leve e mais alegre... e enfim, manter-me centrad@, manter-me dentro de mim.
Percebi-me saindo de um longo período de depressão e tristeza, que talvez tenha durado minha vida inteira, e agora finalmente sentia que as coisas estavam sob meu... controle. As coisas: meu corpo, meu coração, minha mente. Mas nestas últimas horas, parad@ em frente ao portal da mata... mente e coração não estavam mais sob meu controle. E isso me irritava, e me cansava.
E me irritava estar sozinh@. Me irritava estar novamente sozinh@! Até que percebi que ninguém me obrigava a avançar.
Ninguém me obrigava a seguir em frente, estando com medo. Ninguém nunca me obrigou a isto, além de mim mesm@. Em nenhuma das aventuras que eu acolhi, nunca fui obrigad@.
Estava dentro de mim esta ideia de que eu devo sempre aceitar e persistir no que é mais difícil.
Dentro de mim estava a ideia de que minha missão é fazer nascer flores em pedras...
Meu próprio nome vibrava assim, com essa força, essa persistência, essa presença: Alecrim, uma das ervas mais fortes e que nascem nos solos mais arenosos e difíceis...
Até meu antigo nome, antes de eu morrer e renascer, trazia esta ideia de força e persistência. Eu vibrava como um@ guerreir@.

Respiro aliviad@. Aliviad@ por perceber padrões. Aliviad@ por estar ciente deles. Por identificar que eles só me trazem sofrimento. Que me trouxeram muito aprendizado, mas que eu posso aprender através do prazer, da leveza e do amor. Que é o que quero agora, e pelo qual estou buscando me abrir.
Olhei mais uma vez para o portal desta mata, ouvindo uivos de bichos que não sabia identificar, sabendo o quão fechada a floresta está para mim, sabendo que esta mata muda de forma e de densidade conforme o ciclo... E não conforme minha vontade.
Enxerguei-me de volta ao que me propus nessa nova vida: criar um novo paradigma a mim mesm@. Enxerguei-me lembrando de meus objetivos e hábitos a recém adquiridos (a morte traz estas renovações, e eu não era mais @ mesm@ da vida anterior). Respirei profundamente, e pude então visualizar quem eu sou hoje e como estou hoje. Hoje, estou cansad@ de dificuldades. Hoje, estou cansad@ de solidão. Hoje, estou cansad@ de carência, apego, ciúme, falta de amor. Hoje eu não tenho energia para desbravar nada. Hoje eu não sou guerreir@. Tão pouco sou sábi@ ou curador@... Hoje eu sou apenas uma pessoa precisando de acolhimento e amor, de atenção e de descanso. Um ser humano, simples ser humano, com minhas questões básicas, em minha humanidade, em minha simplicidade e limitações...

Neste exato momento, o vento soprou sobre o portal, quase fechando-o de minha visão, rodopiou em meu corpo, e ouvi barulhos de crianças, ouvi vozes animadas e senti cheiro de madeira queimando logo atrás. Olhei para trás, para o campo em que estava, e reconheci todos os seres que amei, que amo e que me amam, e que estavam dispostos a me acolher e estar comigo, do jeito que sou, do jeito que eles são, em abertura e luz, em simplicidade. Dançavam, cada um a sua maneira, ao redor da fogueira. Dançavam, alguns desengonçados, outros de forma engraçada, e outros timidamente, e mais outros com graça e leveza. E outros não dançavam, mas envolviam-se no clima de compartilhar, da maneira como fosse... A mata ficou para trás, distanciou-se de mim... e enfim eu soube que ela teria seu momento de abrir-se, e que talvez eu não fosse a melhor pessoa para conhecê-la. A noite caiu sobre o campo, e num passe de mágica, estrelas e constelações surgiram no céu, e quando dei-me por conta... Estava descansando, enfim, amando um claro ser sob uma figueira, os grandes lábios da via láctea a abençoar o nosso destino..."